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Entrevista Teruko Oda
 
Uma janela para o Universo
publicada em março/2005 na revista Cultural Zênite 
do Clube de Poetas do Litoral

Discípula atenta, mestra por excelência, assim poderíamos sintetizar essa breve apresentação, porém...
A humildade filial como discípula do mestre Goga, a consciência de ser eterna aprendiz, seu imenso amor pela vida e pela natureza, sua confiança na transitoriedade universal para além do tempo e do espaço, da vida e da morte e sua generosidade em receber e acolher com atenção e respeito a todos, capacitam Teruko Oda a exercer com propriedade a função de mestra e justificar o porquê, de hoje, ser considerada uma das mais importantes e respeitadas haicaístas do Brasil.
Paulo R. Rodrigues


Entrevista realizada por 
Paulo R. Rodrigues, Mahelen Madureira e Regina Alonso



Paulo R. Rodrigues – Quando e como surgiu o haicai tradicional no Japão?
Teruko Oda – O haicai, dito tradicional, surgiu no Japão por volta do século XV, derivado do renga (composição da tanka por duas pessoas), cujo mestre mais conceituado, segundo os historiadores,  é  Sogi (1421-1502).

– E  com chegou e se desenvolveu no Brasil?
T.O. – Através de duas vertentes.: a) os textos em francês que apresentaram o poema como a menor forma poética do mundo e se desenvolveu entre os poetas da época (segunda metade do século XIX) principalmente por seu exotismo; b) a outra vertente foi introduzida por imigrantes japoneses aqui aportados no início do século XX.  Desenvolveu-se entre  as comunidades (colônias) nipônicas, graças ao incansável trabalho de Nempuku Sato, considerado o maior divulgador do haicai (haiku) fora do Japão.

– E qual a importância e o estágio atual, na prática, junto aos Grêmios de Haicais?
T.O. – Do meu ponto de vista, a prática de qualquer atividade que favoreça o despertar/desenvolvimento da sensibilidade já é por si, muito importante. O haicai nos ensina um novo jeito de ser e de olhar o mundo: é a arte da contenção verbal, do despojamento, da valorização do essencial. Penso que a importância de sua prática reside justamente nesse desafio: a busca de uma nova forma de expressão que possibilite o alargamento de nossos horizontes. Pela leitura de textos publicados por membros dos diversos grêmios de haicai, verifico um grande amadurecimento nessa arte. De norte a sul, poetas de todas as idades vem percorrendo, cada qual à sua maneira, os caminhos percorridos por Bashô. A continuar nesse ritmo, acredito que muito em breve teremos construído o caminho do haicai brasileiro.

– Em termos de linguagem, hoje, quando a síntese e a concisão são fundamentais em relação à comunicação e como o haicai, pedagogicamente falando, pode contribuir na educação em termos gerais?
Janela do Tempo
T.O. – O haicai é uma linguagem poética ou um poético instrumento de comunicação. Hoje, brevidade e concisão são fundamentais em relação à comunicação porque “tempo é dinheiro”. Um livro de haicai pode ser visto como material didático, mas daí a afirmar que o haicai é um instrumento pedagógico é uma temeridade. Do ponto de vista da educação formal, acredito no haicai como ferramenta auxiliar em projetos multidisciplinares que envolvam, entre outros assuntos, educação ambiental, comunicação e expressão, fauna e flora, usos e costumes também de outros países. Acredito, também, que este tipo de texto favorece o despertar do interesse pela leitura. Por outro lado, enquanto educação informal ou instrumento de desenvolvimento pessoal, penso que o haicai pode contribuir para o crescimento espiritual, tendo em vista os princípios que orientam a composição do poema.

– Fale um pouco da fundação e da importância do Grêmio de haicai Caminho das Águas, aqui em Santos:
T.O. – O Grêmio de Haicai Caminho das Águas foi fundado em agosto de 1995 sob o patrocínio do SESC-Santos e por iniciativa dos participante de uma oficina por mim coordenada e integrada ao projeto “Caminho das Águas – um mergulho na cultura japonesa”. Iniciou suas atividades e se mantém, até hoje, com o objetivo de dar continuidade aos estudos iniciados durante a referida oficina. Segue a orientação tradicional preconizada pelo mestre Bashô, ou seja, referência obrigatória à estação do ano através de “kigo”, linguagem objetiva, brevidade e concisão (dezessete sílabas ou próxima disso). Sua importância não se resume ao fato de ter anos de atuação e de trabalhos ininterruptos. O “Caminho das Águas é hoje, ao lado do “Ipê”, de São Paulo, um dos mais produtivos e respeitados grêmios de haicai do Brasil. E digo isso, sem falsa modéstia e com muito orgulho, pois é notório que o mérito é de todos. O que mais me encanta, nesse grupo, é a exata noção que cada um dos membros tem do haicai como atividade coletiva, onde o aprendizado é mais importante do que o produto final. Outro aspecto que gostaria de citar é a importância do Grêmio como órgão divulgador do haicai brasileiro. Além dos boletins mensais que são distribuídos gratuitamente aos interessados foram publicadas, também, várias antologias. Ainda com o objetivo de divulgar essa forma poética  entre o público em geral, foram realizadas várias Mostras de Haicai, todas na cidade de Santos.

– Visto o resultado dos trabalhos realizados em concursos com crianças, porque as crianças tem facilidade em compor haicais?
T.O. – Para compor haicai não é necessário ter nascido poeta, mas é fundamental amar a natureza. O haicai é um registro limpo, um esboço ao vivo da natureza, como dizem os japoneses que o praticam. Consequentemente, para o adulto, é um exercício de despojamento de vaidades e de desautomatização do olhar. Então, na minha opinião, as crianças tem mais facilidade justamente porque, ainda, não estão “contaminadas” pelo desejo de ser ou de se mostrar “bons poeta”. Elas são o que são, assim como a natureza. Para elas, a rosa é apenas a rosa e não a lembrança saudosa de alguém distante. Os lírios são apenas lírios e não lenços brancos acenando.



Mahelen Madureira – Sensibilidade e técnica são imprescindíveis para a composição de um bom haicai?
T.O. – Na minha opinião, sim. Sem sensibilidade não se faz o poeta. Sem técnica, o caminho a percorrer será bem mais longo.

 – Podemos dizer que o haicai é uma representação da filosofia zenbudista?
T.O. – Penso que o haicai é mais uma questão de atitude do que atividade poética, propriamente dita. E nesse sentido eu o pratico como um caminho de vida. Embora, seja inegável a presença do zenbudismo nesses caminhos. Na minha opinião, o poema em si não representa a filosofia zenbudista.



Regina Alonso – Quais sugestões para iniciantes?
T.O. – Querer, querer e querer. Ler, estudar, praticar. Não esquecer que o haicai é mais uma questão de atitude, de aprender um novo jeito de ser e de estar no mundo do que  atividade para tentar escrever um bom poema.

– Recomendações pra todos haicaistas, iniciantes ou veteranos...:
T.O. – “A vida depende da vida. Todos comemos e somos comidos. Quando nos esquecemos disso, choramos; quando nos lembramos disso, podemos nutrir uns aos outros” – preceito budista.

 Diz-se: “o melhor haicai é o próximo, o que ainda vamos escrever” Você pode citar um ou dois que sejam seus preferidos?
T.O. –  

Festa de Natal –
O aniversariante
pregado na cruz.

  •  
Favela do morro –
Flores de jacarandá
na casa sem móveis.

- Alguma sugestão de leitura (além de sensibilização/contemplação da natureza?)

T.O. – Tem um livro em língua portuguesa, que acho excelente, mas parece-me que está esgotado: HAIKAI, Antologia e História. Paulo Franchetti (organizador) Editora da UNICAMP, SP, 1990. Para consulta sobre kigos, é o NATUREZA – Berço do haicai, kigologia e antologia. Masuda Goga e Teruko Oda, Empresa Jornalística Diário Nippak, SP, 1996. A Aliança Cultural Brasil Japão, em São Paulo, dispõe de vários títulos sobre haicai e que estão sempre em promoção.

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